Esses dias no metrô, um estudante na faixa dos 16 anos, levantou para um senhor sentar. Antes que alguém pudesse elogiar ou aplaudir o gesto, seus colegas ensaiaram uma zoação, do tipo, "perdeu o lugar, mané". Ele prontamente se defendeu:
Levantei porque quis. Outro dia um senhor reclamou pra eu dar o lugar. Ele ficou reclamando e eu fiquei pensando "é, legal, fica aí em pé mermo, é...". O assento é preferencial, eu levanto se eu quiser.
Rapaz, várias coisas vieram à cabeça ao mesmo tempo, demorei a separá-las:
- um estudante de ginásio, saudável e dedicado exclusivamente aos estudos não consegue interpretar uma regra escrita simples,
- um adolescente sociável não acha que tem obrigação de respeitar e ser gentil com os demais, idosos ou não (e ainda acha normal que as regras não o obriguem a isso),
- um jovem racional, usuário de transporte público, acha que os assentos preferenciais são para ser cedidos somente se a pessoa optar por isso (e nos demais? o ocupante é terminantemente proibido de levantar seja para quem for??).
Imagina que tipo de cidadãos estamos formando. Se juízes e políticos já têm dificuldade em interpretar as leis, imagine o caos que uma distribuição gratuita da Constituição brasileira a todos os cidadãos pode causar, graças às mais esdrúxulas interpretações possíveis.
Lembrei de uma reportagem com uma mulher que colava anúncios em orelhões e respondeu, quando interpelada pela repórter:
Ué, a rua não é pública? Posso colar o que eu quiser aqui...
De onde está surgindo todo esse utilitarismo e esse individualismo? Quando foi que de repente nós tornamos, cada um de nós, as pessoas mais importantes do mundo? Se eu não conheço, não é importante. Se não serve pra mim, é inútil. Se posso usar, posso abusar e nem preciso agradecer!
Será que sempre fomos assim? Dentro de nós, no cerne de nossos desejos, sempre quisemos ser o alvo de todas as atenções e favores, donos de todos os recursos ao nosso redor? Ou será que algo tem nos guiado nessa direção? Talvez livros com títulos como "Você é a pessoa mais importante do mundo", ou programas de televisão onde quem passa todo mundo pra trás ganha o prêmio? Ou partidas esportivas com resultados manipulados em prol do mais forte?
Fui ao shopping no intuito de investigar essas possibilidades. As capas de revista, os filmes em cartaz, os anúncios de liqüidação, as estampas de camisa, talvez os materiais dos sapatos e bolsas da moda, os novos sabores de sorvete -- algo tinha que servir de base para qualquer afirmação. E no pior dos casos eu procuraria a Constituição na livraria para colar alguns trechos legais.
Mas passeando pela livraria tive uma boa surpresa em ver o novo As 100 melhores crônicas brasileiras. Comprei na hora e fui correndo pra casa, ansioso pra ler, e esqueci completamente do objetivo do post de hoje. Foi então que tive uma decepção: nenhuma das minhas crônicas havia sido selecionada !
Alguém poderia dizer que eu já devia esperar por isso, pois se esse fosse o caso eu haveria de ter sido contatado antes da publicação, a respeito dos direitos autorais. Mas, honestamente, tinha esperança que houvesse talvez uma homenagem secreta a minha pessoa ali pelas últimas páginas do livro...
Estranho também que, dado o elevado número de crônicas (cem) e a baixa idade de nosso país (arredondemos para 500 anos), conclui-se que a cada cinco anos surge no Brasil uma obra melhor que qualquer crônica minha.
É dureza ter que me conformar, mas faço isso aproveitando ótimos textos dos grandes nomes selecionados. Afinal, não há vergonha nenhuma em perder uma competição de crônicas para Machado de Assis, Rubem Braga, Veríssimo, Sabino ou Tutty Vasquez...
Nesse clima de conformismo, lanço o projeto de uma nova compilação. Após Os cem melhores poemas brasileiros do século(Objetiva, 2001), Os cem melhores contos brasileiros do século(Objetiva, 2001), do Blog de Papel(Gênese, 2005), e As cem melhores crônicas brasileiras(Objetiva, 2007), estou selecionando candidatos para Os 100 melhores posts e e-mails brasileiros !
A primeira coisa a fazer é conseguir algum do Governo pra financiar o projeto. Afinal, a iniciativa privada de nosso país não faz nada sem antes garantir um incentivo qualquer. E de mais a mais, se a gravação de um DVD de remix-ao-vivo (!) de O melhor de Vanessa da Mata (sic) merece quase um milhão em incentivos fiscais, será que meu livrinho não ganha uma esmola?
Na tentativa desesperada de atingir um público maior (como o adolescente e a moça dos primeiros parágrafos), vamos manter o livro sempre em bullets, com parágrafos pequenos, fontes grandes e ícones. O chamado formato Powerpoint, o único ainda aceito pêlo púbico, digo, pelo público jovem. Para conquistar o público norte-americano, cada texto deverá começar com o diálogo entre um suposto grupo de executivos e um monge de renome, num templo em algum lugar ermo, que soaria mais ou menos assim:
Monge: - Esse próximo e-mail ensinou muita gente a aceitar a vida e ser feliz com o que se tem.
Executivo 1: - Ah, eu lembro que um amigo comentou sobre esse e-mail, e disse ter mudado sua vida
Executivo 2: - É verdade, minha irmã leu esse e-mail e passou a ser mais feliz
Executiva: - Que ótimo, vamos ler tal e-mail e ser felizes também.
Por último, precisamos de exatamente cem posts/e-mails, para não comprometer o título. Afinal, quem compraria um livro cujo título não reflete seu conteúdo? Provavelmente daria em processo do Procon, ou Inmetro. E não adianta mudar o título, pois qual o apelo de venda de um título com números quebrados, tipo Os 73 melhores ? Pior ainda os números ímpares, primos... vai ter gente queimando um livro desses! Finalmente, quem compraria um livro com os 50 melhores, se do lado há um com os 100 melhores e pelo mesmo preço?
Infelizmente, apesar da blogosfera brazuca ter ganho muito em maturidade e personalidade ultimamente, a maioria dos blogs brasileiros (inclusive alguns dos grandes) ainda se resumem a clipping de notícias. Nenhum post deste tipo entrará nesta lista de 100 melhores, mas do resto vale tudo. O fato é que essa pode ser uma grande oportunidade para muitos.
Bom, vamos aos candidatos:
1° - aquele e-mail sobre o cara assaltado e estuprado por duas mulheres maravilhosas nos últimos 4 dias da semana, perguntando se alguém sabe por onde elas andam.
2° - e-mail que cita a pessoa que, após uma noite de bebedeira, acorda numa banheira de gelo com um bilhete avisando que teve seu órgão retirado por uma quadrilha internacional de venda de ânus zerados.
3° - Wellington Grey . net - post: A Tabela Periódica da Internet (Periodic Table Of the Internet). (como assim não pode participar porque não é brasileiro?)
4° - Dahmer / Malvados - post: Grande Mapa Dahmer da Blogosfera Brasileira
5° - bic azul / Absurdos & Abstratos - post: O Atraso
6° - Kemp / Lactobacilo Morto - post: (diversos sem título)
7° - biz azul / Absurdos & Abstratos - post(s): No Metro I e II
8° - Ricky / blog0news - post: Semântica
9° - Dahmer / Malvados - post: ano 3 número 597
10° - Alexandre Inagaki / paralelos - post: Literatura na rede: a transição dos bytes para as bibliotecas
11° - Dahmer / Malvados - post: ano 2 número 493
12° - Alexandre Inagaki / pensar enlouquece, pense nisso - post: Bons Amigos
13° - e-mail com aquele Powerpoint das fotos do século (aquele do fogo com rosto de gente é maneiríssimo!)
14° ao 82° - (vagas dedicadas ao júri popular)
83° - Mamendex - post: O poder do pensamento positivo
84° - Mamendex - post: Faz um barulho aí
85° - Mamendex - post: Retrospectiva 2006
86° - Mamendex - post: Ligaram o foda-se
87° - Mamendex - post: Haja paciência!
88° - Mamendex - post: Hay que endurecer
89° - Mamendex - post: Você chama isso de m.?!?!
90° - Mamendex - post: E a gripe veio do espaço
91° - Mamendex - post: Responsum Quae Sera Tamen
92° - Mamendex - post: Tolerância ampla, geral e irrestrita
93° - Mamendex - post: O contador de ilusões
94° - Mamendex - post: A Teoria do Humor
95° - Mamendex - post: Paradoxalmente correto
96° - Mamendex - post: Vote, talvez
97° - Mamendex - post: A nova guerra dos sexos
98° - Mamendex - post: Ordem, Progresso y otras cositas más
99° - Mamendex - post: Um grande pequeno golpe
100° - Mamendex - post: Tem 1 real ?
Mandem seus candidatos. Vale votar em sí mesmo. Daqui a um mês ou dois posts (o que vier por último!) eu publico a lista dos vencedores. Desde já aceitamos reservas também para os interessados em comprar o fabuloso Os 100 melhores posts e e-mails brasileiros*.
* Pagamento adiantado e frete por conta do comprador. Para valores de frete entrar em contato. A reserva não garante o recebimento do produto. Entregas para o exterior sujeitas à tributação exclusiva.
Ah, e se você ficou interessado no As Cem Melhores Crônicas Brasileiras (Joaquim Ferreira dos Santos, Objetiva), basta procurar nas melhores livrarias, virtuais ou de tijolo. Ou aguardar até que alguém resolva anunciar por aqui...
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