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Humor, crítica, crônica, comédia e sátira sobre o Rio de Janeiro, o Brasil e o Mundo |  Defendendo o humor inteligente do Capitalismo e do Aquecimento Global, antes que se torne brinde de pasta de dentes

sexta-feira, 13 de janeiro de 2006



Tolerância ampla, geral e irrestrita

...
- Alô.
- Alô, Valdecir se encontra?
- Quem deseja?
- É Valdecir.
- Ô, Valdecir, tudo bem? Aqui é Valdecir. Deixa eu chamar Valdecir.
- Valeu, Valdecir.
Instantes depois:
- Alô, Valdecir?
- E aí, Valdecir, quanto tempo. Tudo bem por aí?
- Tudo bem e por aí?
- Tudo bem também. Tô ligando pra perguntar sobre aquela situação no escritório, como ficou?
- Ah, eu falei com Valdecir e os outros ontem cedo e eles concordam com a gente.
- Então tá tudo encaminhado. Vamos aproveitar então pra ver o jogo?
- Claro, todo mundo adora o jogo.
- É verdade, e qual vai ser o resultado?
- Ah, com um time só jogando, uma bola pra cada jogador e a torcida toda a favor, acho que é vitória certa.
- Concordo. Eu gosto de ganhar.
- Eu também. Falar nisso, você viu aquele filme que estreou?
- Vi sim. Muito bom.
- Também achei. O final é bem interessante.
- Exatamente.
- E o carro, parou de dar problema?
- Parou sim, foi só trocar o óleo. O carro é muito bom.
- Também acho, por isso tenho um igual.
- Tá bom então Valdecir, deixa eu ir lá que vou levar as crianças no parque.
- Ah, eu também, a gente se vê lá.
...

Somos 7 bilhões de habitantes no planeta. Temos todos menos de 3 metros de altura, menos de 7 litros de sangue vermelho correndo pelo corpo. Somos todos mamíferos, racionais, homo sapiens, Humanidade. Mas não há duas pessoas idênticas nesse mundo, nem quando nascem da divisão do mesmo par de células.

E ainda assim, por algum motivo, poucos de nós sabemos aceitar e compreender as diferenças, sejam racias, religiosas, ou simplesmente diferenças de gosto e opinião. Alguns chegam ao limite de desrespeitar e até agredir pessoas diferentes.

Coloque na mesma sala um flamenguista e um tricolor, um judeu e um muçulmano, um chinês e um japonês, um empresário e um sindicalista, um dono de cachorro e um dono de gato, um policial civil e um militar, um pagodeiro e um funkeiro, um hetero e um homo, um motorista de ônibus e um motorista de van, um petista e um pessedebista, um dermatologista e um cardiologista, um cientista e um surfista, um periodontista e um ortodontista, um especialista em história medieval européia e um especialista em história da arte pré-renascentista, um inteligente e um ignorante, um advogado e outro advogado. O resultado será sempre uma discussão inflamada. Em algumas horas uma briga, talvez um tiroteio. Dois entram, um sai !

Por outro lado, coloque em uma mesma casa algumas pessoas bonitas e sem muita coisa na cabeça e você tem um reality-show de baixo custo e vasta audiência. Não é irônico? O voyeurismo da intolerância alheia é atração pública !

Talvez a tendência de famílias menores esteja contribuindo para a tolerância cada vez menor entre as pessoas. Numa família grande é quase impossível chegar a um consenso. Seus pais gostam de camarão, seu irmão odeia e você é alérgico. É aniversário da sua avó, formatura do seu primo, seu irmão caçula vai sair com a nova namorada e você está sofrendo uma crise alérgica. Seus irmãos querem um cachorro de estimação, seus pais não, e você pra variar é alérgico. Como decidir nesses casos? Maioria de votos? Cada um por sí?

Intolerância é um passo para preconceito. Ou ao contrário, preconceito é um passo pra intolerância. Não sei. Mas o que eu sei é que algumas frases são gatilhos para inflamar uma conversa. Tipo no desenho animado, quando o coiote entra num lugar escuro, acende um fósforo e percebe que está numa casinha cheia de pólvora e explosivos?

Exemplos típicos destas frases: "quem não gosta de bicho boa gente não é...", ou em resposta, "quem trata bicho igual gente trata gente igual bicho". Outras: "quem não gosta de samba boa gente não é", "mostre sua educação e mostrarei a minha", "macho que é macho não faz isso", "homem não chora", "isso é coisa de boiola", "isso é coisa de piranha", "se fuma, dá", etc. Existem umas tão pesadas (e imbecis) que eu acho melhor nem comentar... Mas você lembrou, né? Pois é, pode parecer engraçado, mas é triste. Como ser gordo. Antigamente o excesso de peso era uma coisa engraçada, simpática, mas cada dia que passa o assunto fica mais sério.

A tolerância é um exercício que como os demais tem que ser praticado diariamente, por uma hora, sob supervisão profissional. Você pode inclusive aproveitar seu tempo na ginástica pra economizar. Não julgue o rapaz de camiseta cavada fazendo pose e se olhando no espelho... Nem a loira turbinada, com personal trainer, malhando 4 horas por dia... Cada um no seu cada um, e quem quiser, no cada um dos outros.

O que é difícil mesmo é determinar o limite do que deve ser tolerado e o que precisa ser negociado. Por exemplo, existem pessoas organizadas e pessoas bagunçadas, e um tem que tolerar o outro. Mas se essas duas pessoas são casadas... como fica? Se uma pessoa é barulhenta e a outra ama o silêncio, e elas são vizinhas, como fica? Um educado e um mal-educado trabalhando juntos todo dia, como fica??

Uma teoria de uma amiga minha fala sobre uma nova Seleção Natural, onde, por exemplo, uma pessoa mal-educada, barulhenta e bagunceira acabariam casando com outra pessoa mal-educada, barulhenta e bagunceira e assim constituindo uma família mal-educada, barulhenta e bagunceira.

E pela lei de Muphy essa família acabaria morando do meu lado.

Agora que minha nova família é pequena, esse é o meu exercício de tolerância diário. Pra quem quiser ingressar nas atividades e sair do sedentarismo, é bom começar repetindo esse mantra 5 vezes seguidas, sempre que necessário:

"Senhor, dá-me paciência, que se me deres forças eu quebro um!"